não tá dando conta de tudo? é porque é impossível 😀
uma lombra sobre: a mentira de ser independente e a importância da rede de apoio nisso
antes de começar o texto: estou muito feliz por estar voltando pra essa newsletter que parece que nem saiu da minha cabeça (no bom sentido)
Enquanto escrevo isso (dia 1 de setembro de 2024) tenho por volta de 60 inscritos e se você tá recebendo esse e-mail, você é um deles e por isso te devo desculpas (apesar de que acho que você nem lembrava disso aqui, mas tô me sentindo na obrigação de me desculpar)
Amadureci melhor a ideia da Momletter e me sinto mais confortável em estar aqui expondo minhas mazelas maternas de um jeito mais organizado. Enfim, vamos? 🤍
esse texto é sobre:
a farsa da ideia de que nós somos independentes
eu sentindo que rede de apoio parece existir pra tudo menos para as mães
há um tempo me deparei com um vídeo da autora de Pessoas Normais e Conversas Entre Amigos (recomendo), a brilhante Sally Rooney, em que ela basicamente fala que a independência é uma falácia. (coloquei abaixo, tem só 1 min)
um pequeno recorte caso você não queira ver o vídeo todo:
“a ideia de que você pode caminhar pelo mundo como um indivíduo autossustentável é uma ficção, é uma ilusão realmente. As relações humanas são muito importantes, são muito sustentáveis, qualquer forma que eles tomem. Elas não são apenas opcionais, você não pode simplesmente se excluir do resto da humanidade”
o que faz da fala ser ainda melhor pra mim é ela dizendo que é impossível acreditar em frases como: “Tudo depende de você agora” (te amo Sallynha).
e eu, na minha necessidade de me sentir forte, empoderada, independente, mulherão da porra que não precisa de ninguém porque trabalha e cuida da filha, senti essas palavras relaxarem os meus ombros tensos, minha testa franzida, meus punhos cerrados. aquele famoso estado de alerta constante para nada faltar, nada ser esquecido, tudo ser feito e suprido.
essa coisa de depender do outro pra mim é o seguinte: eu, Júlia, nunca tive problema em pedir ajuda, mas o estado de “dependência” que vem com a maternidade me deixa com uma sensação meio infantil, sabe?
por ser mãe, eu dependo de ajuda, de uma rede de apoio, de outras pessoas. eu não me sinto tão “adulta” com esse depender.
eu dependo e preciso de ajuda, não exatamente como uma criança, mas mães precisam sim ser cuidadas e assistidas de diferentes formas. porém depender é estar vulnerável de variadas formas.
muitas das estruturas básicas que precisamos se balançam (ou caem de vez) quando viramos mães.
entramos em um estado de vulnerabilidade financeira e isso se intensifica se somos mães solos agarradas em empregos ruins para conseguir pagar uma escola mediana para que conseguir trabalhar em nossos empregos ruins (esse paradoxo e a relação entre dinheiro e mães solos é um assunto que daria textos pra vida inteira, enfim).
estamos vulneráveis pela forma que o companheiro (ou não) se mostra ser um pai. dependemos do papel dele ser cumprido e iremos sentir na pele caso isso não se cumpra (oi sobrecarga, é você? 😃).
depender da rede de apoio para ir ver um filme, tomar um café em paz, ver as amigas que sobraram. enfim, depender num geral nos coloca em um estado vulnerável, o tempo todo. passar a ver um banho demorado como um luxo é estar numa posição frágil, exemplo.
estamos fortes, mas ao mesmo tempo na primeira camada a ser atingida quando algo falta.
enquanto isso, tudo funciona ao redor do mundo, em seu ciclo harmonioso: alguém planta, colhe e transporta nossos alimentos, em um caminhão que alguém abasteceu. alguém faz o tecido para que outro a costure para enfim vestirmos. alguém fez as ruas que andamos e tantas outras ainda estão sendo feitas.
das tantas milhares de mãos que fazem as engrenagens do mundo funcionarem, sinto que poucas estão estendidas para nós que exercemos o trabalho do cuidado que, pasmem, é o mais importante para que todo o resto exista - pois é fato que viemos do cuidado, vivemos sob ele e voltaremos para ele.
Sally não errou quando disse que: sim, a autossuficiência é uma falácia e que essa história de tudo depender de nós mesmos também é uma certa mentira. mas enquanto mães ainda somos empurradas para essa ilusão de que devemos dar conta de tudo sozinhas.
a independência é um pequeno teatro que beneficia as muitas pessoas que exigem e dependem do trabalho do cuidado, mas não oferecem nenhum suporte para que ele aconteça (tipo aquele pai que não faz nada, mas quer o filho bem cuidado do mesmo jeito, então!).
após aliviar meus músculos tensionados pela pressão de ser um mulherão da porra por entender a autossuficiência é uma ilusão, eu entendi exatamente aquela frase do “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. porque, meu Deus, de fato precisamos.
infelizmente, reconheço, que não é possível que todas as mães relaxem seus músculos tensos. mas espero que aceitar a independência total como uma falácia seja um mantra consolador para quem sente a sobrecarga todos os dias e a culpa de uma coisinha aqui e ali não ter sido feita. (culpa pra mim também é uma cilada, mas isso são outros 500).
apesar de fazermos muito (senão tudo) sozinhas, eu sonho para que um dia as todas as mães e cuidadores tenham uma grande aldeia para assumirem sua dependência sem nenhuma culpa ou vergonha e largar as rédeas algozes da autossuficiência.
Se você conhece alguém que vai gostar dessa perspectiva sobre independência e maternidade, compartilhe 🤍